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Debora Colker
Em entrevista ao OiLondres a coreógrafa fala sobre o novo espetáculo Nó, e sobre samba, o Brasil e a Tropicália. Não perca!
Uma coreógrafa contemporânea, em todos os sentidos.
Deborah é uma coreógrafa que faz espetáculos de dança contemporânea apreciados no mundo inteiro. Ela já ganhou o prêmio Laurence Olivier, um dos mais importantes da dança, como revelação em 2001. E não só a atividade que realiza está em sintonia com as tendências contemporâneas. Nessa entrevista Deborah revela que sua intenção é também carregada de sentido, que sua obra provoca, questiona, e que nela, forma e conteúdo são igualmente importantes.
Deborah é uma artista contemporânea porque não precisa de rótulos e não os busca, porque não se importa com fronteiras e barreiras, porque as quebra.
Deborah Colker apresenta em Londres, como parte dos eventos que celebram a Tropicália, o espetáculo Nó (Knot), nesta terça feira, 25 de abril, no Barbican.
Por Néli Pereira
O teu trabalho sempre dialogou com outras expressões artísticas, como por exemplo, com as artes plásticas, em 4x4. Você busca isso na sua carreira ou acredita que é um movimento natural contemporâneo esse diálogo?
Eu acho que é um movimento natural da arte contemporânea, uma necessidade de comunicação e mistura de linguagens e cada vez mais essa procura da questão do rótulo de uma obra, se ela é dança teatro, ópera, música, essa preocupação acredito que está ficando cada vez menor e sim uma preocupação maior no sentido do quanto esse trabalha é bom com relação ao que ele causa, o que ele modifica, quais perguntas ele traz e quais os pontos de interseção e identificação entre essas distintas atividades artísticas.
Especificamente no meu trabalho, porque até agora eu falei de um panorama do mundo e da arte contemporânea, mas começou anterior a arte contemporânea, no pós modernismo começa e depois a questão de o que é a arte, é uma pergunta que paira no ar ainda, então a gente não sabe nem o que é e quanto menos quando ela se modifica de uma para a outra.
No meu caso, eu tenho um foco no meu trabalho que é de relacionar o mundo contemporâneo com a dança contemporânea. Não só as outras artes, mas inclusice o cotidiano me interessa muito, o que acontece no dia a dia das pessoas, como elas vivem, os seres humanos de uma maneira geral; como também as artes plásticas, a arquitetura, outros universos. E relacioná-los com a dança contemporânea me interessa por vários motivos. Primeiro porque eu acredito que você pluraliza um trabalho misturando essas questões e estas emoções e depois porque você também contribui pra um assunto que me interessa muito que é a dança estuda também e que se identifica com as artes plásticas, que estuda hoje em dia, as instalações- as obras que saíram da parede e começaram a ocupar diferentes espaços, elas intereferem, modificam e discutem os espaços. Eu sou uma coreógrafa que gosto de relacionar o movimento com o espaço, gosto que omovimento interfira e modifique o espaço e que o espaço também tenha essa ação na dança.
Eu percebo que a cada novo espaço que eu proponho eu descubro novos movimentos, novas possibilidades de pensar o movimento. Então as coisas estão realmente interligadas. O espaço do movimento é um espaço que se constrói e se cria.
E como este espaço foi criado no teu mais recente esapetáculo, Nó (Knot), que será apresentado em Londres?
No caso do Nó, eu trabalho com 120 cordas pinduradas, além das cordas que os bailarinos usam entre eles. A função destas cordas é construir o espaço cênico, construir o lugar onde a dança vai se desenvolver, é uma árvore. E essa árvore determina aonde as coisas vão acontecer, é uma árvore de cordas. E eu consegui várias coisas, árvore é metáfora do conhecimento, uma árvore de cordas é metáfora do desejo.
E esse Nó que dá nome ao espetáculo, de que nó você está falando ou querendo trazer para o público?
O nó é o do desejo. O tema central, a inspiração, o foco deste espetáculo é falar e pensar sobre o desejo, fazer emergir desejos muitas vezes secretos, trágicos, violentos, pribidos, como também desejos que estão mais ao alcance dos nossos olhos e da nossa consciência e talvez até mais delicados. Então, o nó que eu tô falando é o nó do desejo, administrar essa intensidade de desejos tão grandes, nós nascemos seres desejantes, desde bebezinho. E administrar isso da infância, pra adolescência e até adulto - tudo isso é um nó. O desejo é um nó que a gente ata e desata. E o desejo te aprisona e te liberta, te amarra e te soltam te confunde e esclarece, por mais transparente que possa ser é inatingível. O desejo quando se alcança se quer outro e outro... Eu descobri o nome da peça porque eu fiquei um ano falando pros bailarinos, sobre os movimentos e nó sempre vinha a tona, e meu irmão falou: o nome do espetáculo é esse, você não pára de falar nó, nó,...
Ouvir você falar é muito curioso porque ver seu espetáculo é sempre ter um impacto visual muito grande. E eu sei que você fez Psicologia, e você falando sobre esse espetáculo, dá pra perceber que além do estético, tem uma preocupação que não é social, mas uma preocupação em questionar, discutir e debater também. Tem um limite entre o estético e o que é a sua preocupação com o conteúdo do espetáculo?
Eu acho que essas duas preocupações, necessidades existem. A necessidade da emoção, da percepção, da parte sensitiva de questões até filosóficas muito importantes. Agora eu acredito que a estética que a gente vai concebendo, a parte visual, tem que interagir com o conteúdo, acho que o grande amadurecimento do artista é esse, o da forma carregada de intenção, emoção e conteúdo; quando tudo se transforma numa coisa só, quando o que você tem em cena visualmente e mesmo plasticamente com o que os bailarinos estão dançando, é o que precisa ser dito, nada mais nem nada menos. E eu estou trabalhando pra isso, para conseguir cada vez mais me comunicar simplesmente com o público, conseguir estabelecer essa comunicação, por mais complexo que seja aquilo do que você está falando, por mais sofisticado, você tem que se comunicar.
A síntese é muito importante. Por exemplo, eu me sinto feliz de ter encontrado um objeto como corda para falar sobre o desejo, porque corda é um objeto fetichista. É um objeto carregado de sentido, da idéia de liberdade, selvageria, movimento, leveza, pode se transformar em muitas coisas. E é um objeto erótico também, como a técnica do bondage, por exemplo. No Nó eu consegui visualmente, emocionalmente e o conteúdo tá tudo "amarrado".
O espetáculo Nó foi escolhido para fazer parte da série de eventos que celebram o movimento do tropicalismo. Como você acha que o teu trabalho com o Nó se insere nos preceitos e conceitos da Tropicália e do movimento artístico do tropicalismo?
Na verdade é a primeira vez que eu vou pensar nisso que você me perguntou. Nunca ninguém, nem o pessoal do Barbican quando me convidou para participar teve esse link. Eu acredito que o tropicalismo foi um movimento de ruptura, de novos pensamentos, de novas misturas e de uma afirmação importante de uma identidade cultural, artística, uma personalidade de um lugar ela é aquilo que as pessoas estão fazendo naquela hora, naquele momento, naquele lugar. Você não tem um compromisso estético com ser brasileiro é tocar desse jeito ( a bossa nova surgiu nesse momento também), como as imagens, as canções se misturam. E também discutiu o povo brasileiro, como é negro, é índio, é branco. Se você me ver, eu sou brasileira de duas gerações, eu sou loira, de olho verde e branca e sou brasileirésima, respiro e mexo como uma brasileira. E acho que o tropicalismo é isso e já começa aí, porque meu trabalho segue esses preceitos, essa liberdade, e ao mesmo tempo essa responsabilidade, porque o artista tem essa obrigação de ser livre e original, mas tem a responsabilidade de ser livre e ser original, porque ser livre não é fazer qualquer coisa. Eu sou uma pessoa que acredita, e acho que o tropicalismo também, na importância aberta da história, e não na importância maniqueísta e unilateral da história, nesse sentido nós andamos juntos.
Você falou sobre ser brasileira, e também a gente falou em diálgos entre manifestações artísticas. Você trabalhou como coreógrafa de várias comissões de frente de escolas de samba, da Mangueira e até neste ano com a Viradouro. Tem alguma diferença no processo de criação, de transportar o espaço da dança do palco para a avenida, o público é diferente, a comunicação é diferente?
É, a comunicação é diferente e todo o público é diferente. Não dá nem pra fazer um consenso do público no Brasil, dá pra fazer um consenso do público no Reino Unido. Cada um dos públicos tem sua peculiaridade.
Mas o samba, ali tem muitas coisas que são diferentes, primeiro porque o palco é um palco em movimento, é uma coreografia que se repete. Por exemplo, você passa por cinco jurados, você tem que repetir a mesma coisa para os cinco. Você tem certas regras, um tempo estabelecido que a escola tem pra passar, e pra começar o carnaval é uma competição, a gente não pode esquecer disso. Eu não penso nisso, mas isso existe. Eu quando crio, eu vou lá e quero fazer uma coisa que ninguém nunca viu, de uma maneira que todo mundo fique sem respirar e não tenho medo não, eu faço do mesmo jeito que eu boto no João Caetano, que eu vou pro Barbican eu vou lá e faço pra cem mil pessoas e pra ser televisionado pro mundo inteiro.
Agora, tem o tamanho. Aquilo lá é uma grande ópera, você tem que pensar que o cara tá lá na arquibancada e tem que entender o movimento que você está fazendo e tem que pensar na dimensão, no tamanho, na quantidade de gente, na luz. Tem que pensar que pode chover, que aquilo tá em movimento o tempo inteiro, que aquilo está ligado a um enredo, a um samba. Então, o conteúdo ali é o que está sendo dito e precisa ser compreendido. Mas eu acho que, na verdade, você se surpreender e surpreender o público tem alguns pontos em comum, mas é um desafio diferente, não é um desafio qualquer. O samba dura dois minutos e os caras da bateria na adrenalina sentam o pau, as vezes vai mais rápido do que o samba que tá ensaiado. Você faz uma ou outra diferença, porque o público é sempre diferente, então você pensa que é muito mais fácil do que fazer um espetáculo... porque dura dois minutos, mas se você tem três minutos pra fazer pro jurado uma coisa diferente, você tem que ensaiar três meses. Por que? Porque até você chegar ao veredito final, do que realmente tem que estar ali na avenida...Você viu a comissão deste ano, das portas, ficou linda, né? Você viu pela televisão? Várias pessoas falaram que gostaram muito, foi bonita mesmo!
Respondo que achei a comissão de fato muito criativa e bonitona. Agradeço a entrevista, e Déborah fala: "Oba! Vai lá no Barbican pra ver o Nó, vai ser lindo!". E eu não tenho dúvida que o espetáculo vai ser, novamente, um pioneiro em quebrar barreiras, e neste caso, as do desejo.