Acomodação
Onde Você Mora?
Tudo pronto: carta da escola, dos pais, extrato bancário, passaporte, passagem… e acomodação. Acomodação que você provavelmente pesquisou na internet ou pediu para algum amigo seu que mora em Londres conseguir pra você. Doze horas viajando, mais uns quarenta minutos na imigração e você já está em Londres. Apesar da excitação de ter, enfim, chegado, a única coisa que você consegue pensar é em tomar banho, jogar suas malas num canto e dormir.
Procurar acomodação assim pode ser um tiro no escuro. Foi exatamente o que aconteceu com a gente. Dentre toda oferta de flats, studio flats, hostels, bed and breakfasts, nós escolhemos uma república, só porque a foto do site era bonitinha. Bonitinha, mas ordinária. Fomos mandadas para o endereço errado, o quarto era muito menor que o da foto, e a gerente da casa era uma chata que nos cobrava desde as chaves até o uso da máquina de lavar. A casa era meio carinha, mas tinha a vantagem de ser nova, bem equipada e contando com cleaners que trocavam a roupa de cama quinzenalmente. Isso aqui em Londres é luxo. A maior vantagem era mesmo o acesso à internet e ao telefone, que é essencial nos primeiros meses, principalmente pra quem ainda não tem emprego.
Mesmo assim havia estresse na casa. Além das taxas extras, nos horários de pico sempre tinha uma fila de mais ou menos 9 ou 10 pessoas querendo usar o microondas, tomar banho e ler e-mail ao mesmo tempo. Então, antes de acabar os 30 dias de contrato, já havíamos começado uma nova busca por acomodação, dessa vez, a mais barata possível. Chegamos a ver flats, studio flats, albergues e até um pub desativado que se tornou a nojenta moradia de uns russos em Elephant and Castle. Acabamos encontrando uma casa muito mais barata no mesmo bairro, só que menos equipada e sem cleaner (a limpeza seria feita pelos próprios moradores).
Assim que entramos na casa, parecia que estávamos entrando no próprio Cortiço, de Álvares de Azevedo. Chegamos lá com um dia de antecedência para deixarmos parte da mudança e nos deparamos com um quarto simplesmente IMUNDO. Não há outra palavra. Foram necessárias 5 horas de faxina pra deixarmos o lugar pelo menos habitável. Havia mofo e sujeira em cada centímetro do quarto (o qual não nos foi permitido ver antecipadamente porque havia alguma bactéria dormindo lá no momento). O criado-mudo ao lado da cama havia se tornado um cinzeiro de categoria. Mas isso era só o quarto. Quando checamos o banheiro nos deparamos com a primeira banheira preta que vimos na vida. Ah, e um aviso na parede, em cima da privada: ‘ “urine sentado, pois faz bem para sua próstata”’ (o que deve provar algum tipo de consciência sobre saúde por parte dos moradores. Mas fale a verdade, é bizarro demais!). E não vou mais embrulhar o estômago de vocês falando da cozinha.
Ah, mas a casa tinha um quintal onde rolava uma social. Às vezes nós comprávamos Foster´s e íamos beber afterwork, dividindo e espaço do quintal com os diversos artigos entulhados, tais como hoovers estragados, máquinas de lavar quebradas (que agora estão cobertas de verde-mofo e camufladas junto ao resto da parede-mofo), colchões rasgados, etc. Não podemos esquecer as pulgas e os carrapatos, sempre presentes, até mesmo no nosso quarto, na hora de dormir.
Estamos sobrevivendo nessa casa por um bom tempo, graças aos amigos brasileiros e portugueses que fizemos ali, . porque a casa não era só entulhada de coisas, mas de gente também. Boa gente, vivendo no mesmo ritmo que o nosso, cerveja, rock’n’roll… Aos poucos chegamos à conclusão de que o perrengue une as pessoas. Assim foi com a gente,: formamos uma família na casa, criamos laços tão fortes que só mudaremos de cortiço se formos todos juntos, de preferência de mãos dadas.
Unidos então no perrengue, na carência, na malandragem: Quando o frio apertou, nosso querido Landlord não quis ligar o heating, alegando que ainda não era inverno e quase morremos congelados. Ele trancou com cadeado a porta que dava acesso aos controles do aquecedor . A casa era tão fria quanto a rua _ preferível então ficar na rua, onde pelo menos se via gente diferente. Mas nossos amigos resolveram com muita elasticidade e um cabo de vassoura.
A procura por melhor acomodação continua, mas em ritmo diferente. Por maior que seja a vantagem que as outras acomodações possam oferecer, não superam a vantagem de estar com quem se gosta.
Londres apura o nosso instinto de sobrevivência. Ou você tem ou você finge que tem. Além de todas as dificuldades com a língua e cultura, você ainda enfrenta algumas surpresas como essa em casa.
Por isso, esteja atento, mas não se desespere. É fato: a gente tem o dom de se sair bem em qualquer situação. Por maior que seja o perrengue, renderá, no mínimo, boas gargalhadas. Não é à toa que dizem que Deus é brasileiro.