Trabalho
Liz Calder
A Dama da Literatura
A inglesa Liz Calder é uma das fundadoras da Bloomsbury, editora que lançou o mundialmente conhecido Harry Potter, mas também idealizadora da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), evento que uma vez por ano, desde 2003, reúne na cidade autores nacionais e internacionais.
Na parede do seu escritório, em Soho Square , duas fotos chamam a minha atenção. Na primeira ela está entre o presidente Lula e o Ministro da Cultura Gilberto Gil, recebendo o prêmio da Ordem do Mérito Cultural 2004. Na outra está ao lado de Chico Buarque, um dos autores brasileiros publicados pela Bloomsbury . Não consigo esconder a curiosidade e pergunto se ele é tão bonito quanto dizem por aí. Com uma piscadinha de olho, ela responde que sim.
Liz, que é dona de uma simpatia cativante, concedeu essa entrevista em Português, na qual conta como foi a experiência de viver no Brasil durante a Ditadura, trabalhar como modelo e a trajetória que percorreu até a criação da Bloomsbury e da FLIP.
Paixão imediata
"Fui para o Brasil nos anos 60, durante a época da Ditadura, com meu marido, que tinha sido realocado pelo escritório dele, e dois filhos pequenininhos; uma menina de 3 anos e um menino de 2. Eu tinha 20 e poucos anos.
Nasci na Inglaterra, morei em muitos outros países, como a Nova Zelândia, os Estados Unidos e o Canadá -, mas quando cheguei no Brasil me senti muito em casa, muito confortável. Eu pertencia aquele lugar.
As crianças logo foram para a escola e eu fiquei sem muita coisa para fazer. Fui no clube inglês, mas não gostei. Aí comecei a trabalhar como modelo para uma loja de roupas chamada PullSport, que estava muito na moda. Eu desfilava e minhas fotografias saíram no Estado de São Paulo, na Claudia, Manchete e outras revistas.
Eu ficava muito tempo nos vestiários, escutando as outras mulheres conversarem, e assim aprendi a falar Português. Foi bom também porque conheci muita gente, como jornalistas, fotógrafos e outras modelos. Naquela época, moda era uma coisa muito pequena, não existiam agências. Foi gostoso para ver esse lado da vida em São Paulo.
No final da década, depois de quatro anos no Brasil, voltamos para a Inglaterra e logo depois passei a trabalhar como assistente numa empresa de cinema. Meu trabalho era ler livros e escrever reportagens que eram mandadas para Nova Iorque e Hollywood.
Eu fiquei lá um ano, mas o departamento foi fechado. Então peguei um emprego na editora Victor Gollancz, onde trabalhei por oito anos. Depois fui para outra editora, a Jonathan Cape . Em 1985 começamos a Bloomsbury. Em 1986 publicamos os primeiros livros.
Voltei somente uma vez ao Brasil porque naquela época não tinha dinheiro para viajar. As crianças estavam na escola, eu trabalhando o todo o tempo, mas nunca esqueci o Brasil. Meus amigos brasileiros me mandavam músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros. E assim eu matava a saudade. Também comecei a publicar os livros brasileiros. Acho que o primeiro foi o do Amyr Klink. Isso foi há uns 10 anos."
Autores brasileiros
"Na Bloomsbury temos os 'reader advisers', que recomendam livros para serem publicados. Lançamos mais ou menos três ou quatro livros brasileiros por ano. Agora estamos traduzindo Paulo Lins, que escreveu Cidade de Deus, e vai sair ano que vem. Publicamos também os livros do Milton Hatoum, que é um ótimo autor. [Liz levanta do sofá, vai até a estante e volta trazendo uma cópia de Dois Irmãos, de Milton Hatoum, e outra de Minha Vida de Menina, escrito por Alice Dayrell Caldeira Brant e traduzido por Elizabeth Bishop.]
Fiquei muito triste porque Machado de Assis não estava sendo mais publicado aqui. Então republicamos dois livros dele, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba , e acho que vamos publicar alguns contos também. Machado de Assis é universal e pode ser lido em qualquer lugar. Ele é um autor do mundo e eu o colocaria na lista dos 10 melhores, mas que não é famoso fora do Brasil. Os mais famosos ainda são Paulo Coelho e Jorge Amado. Guimarães Rosa é um outro fantástico autor, cujo trabalho deveria ser mais conhecido."
Festa Literária Internacional de Paraty
"Foi o Amyr Klink que me falou de Paraty. Mais ou menos em 1994 ou 1995 fui a Paraty com meu marido pela primeira vez e, durante cinco anos, alugamos uma casa para passar férias. Gostamos tanto que finalmente em 2000 compramos uma casa na baía de Paraty.
Desde a primeira vez que cheguei em Paraty, pensei que lá era um lugar feito para festivais de qualquer tipo. Já existiam os festivais religiosos, musicais, de comida e de pinga. Mas de literatura não tinha. Eu já trabalhava muito com festivais em outros lugares e sabia que o importante era o lugar ser bonito, mas também compacto. Um lugar onde os autores e os leitores ficassem numa atmosfera muito íntima. Não funciona numa cidade grande, como Londres. Mesmo porque vamos aproveitar não somente a literatura, mas também o mar, as ilhas e as praias. Além de tudo isso, uma das primeiras razões para o Festival era fazer a literatura brasileira mais conhecida fora do país.
Foi uma idéia que teve seis anos de incubação. Tentamos fazer no milênio [de 2000 para 2001] , mas não tinhamos dinheiro e não era o tempo certo. Quando decidimos fazer, tivemos um monte de críticas. Mas eu já vi um monte dessas coisas, e tive relacionada com isso em diversos lugares, para saber que crítica faz parte. Sempre vão existir pessoas para criticar. Mas se você sabe que vai dar certo, continua tentando.
Paraty é um lugar mágico, que atrai pessoas. Essa é uma ótima vantagem. Não estamos convidando pessoas para ir a um lugar horrível. E assim, em maio de 2003 fomos a Bienal do Livro e anuncianos a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), aí não tinha mais volta .
A ajuda de um amigo nosso, o arquiteto Mauro Munhoz, que é de São Paulo , mas trabalha há muitos anos em Paraty foi muito importante. Ele achou ótima a idéia, pois uma festa literária ajudaria na economia da cidade, sem destruí-la. Hoje ele desenha todas as tendas do festival.
Bom, na primeira edição, que aconteceu em agosto de 2003, esperávamos umas 500 pessoas, talvez. Mas tinha muito mais gente. Até bem perto do festival não tínhamos muito apoio para fazer uma tenda grande. Então na última hora veio a Eletrobrás e pudemos colocar uma tenda maior. Acho que veio a Prefeitura e contribuiu com uns 6 mil reais. Compareceram 27 autores, entre nacionais e internacionais.
Em 2004, tivemos 30 autores e ainda mais gente compareceu. Esse ano a FLIP vai acontecer de 6 a 10 de Julho. Vamos lançá-la oficialmente em maio na Bienal do Livro no Rio de Janeiro . Também teremos a participação de 30 autores. Mas não queremos crescer muito porque já está grande demais. Não é Maracanã [risos] ."
Alguns dos livros brasileiros publicados pela Bloomsbury
Alice Dayrell Caldeira Brant
- Minha Vida de Menina (The Diary of Helena Morley)
Caetano Veloso
- Verdade Tropical (Tropical Truth: A Story of Music and Revolution in Brazil)
Chico Buarque
- Budapeste (Budapest)
- Benjamin (Benjamin)
- Estorvo (Estorvo)
- Turbulência (Turbulence)
Machado de Assis
- Memórias Póstumas de Brás Cubas (Epitah of a Small Winner)
- Quincas Borba (Philosopher or Dog?)
Milton Hatoum
- Dois Irmãos (The Brothers)
- Relato de um Certo Oriente (A Tale of a Certain Orient ou The Tree of the Seventh Heaven)
Patricia Melo
- Elogio da Mentira (In Praise of Lies)
- Inferno (Inferno)
- O Matador (The Killer)
- Valsa Negra (Black Waltz)
Rubem Fonseca
- Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos (The Lost Manuscript)