Trabalho
Marcos Uchôa
Repórter e Responsável pelo escritório da TV Globo em Londres
Por Yami Trequesser / Foto: Divulgação
Era quinta-feira e Yasser Arafat tinha acabado de falecer. Todas as televisões estavam cobrindo o assunto. Havia combinado de entrevistar o Marcos Uchôa naquele dia e pensei duas vezes antes de ligar. Acabei ligando e assim que ele atendeu, perguntei se ainda estaria disponível para conceder a entrevista.
Já estava preparada para receber um ‘Não. Será que você poderia me ligar outro dia, por favor?’, quando ele gentilmente falou: ‘Dá tempo sim. Acabei de gravar uma matéria sobre a morte do Arafat e daqui a pouco vou gravar outra, mas preciso relaxar um pouco entre uma e outra.’
Marcos Uchôa começou como repórter de esportes na TV Manchete, depois passou a cobrir o assunto na TV Globo.
Oi Londres - Há quanto tempo você mora em Londres?
Marcos Uchôa – Vai fazer 9 anos em janeiro de 2005.
Oi Londres – E como veio parar aqui?
MU - Era para eu ter ido para Nova York em 1994, antes da Copa do Mundo. Mas aí, por razões internas da Globo, eles preferiram que eu voltasse para o Brasil e depois fosse para Nova York, o que acabou não acontecendo porque no início de 1995 o Roberto Cabrini deixou o escritório da Globo em Londres. E fui chamado para cobrir o lugar dele. Naquela época, era mais importante ter alguém que cobrisse Esporte aqui por causa da Fórmula 1. Fui basicamente do Esporte durante uns 2 anos e meio, até a Copa de 1998. Depois fiquei sem trabalhar 1 ano e meio.
Oi Londres – Sem trabalhar mesmo? Por que?
MU - No ano anterior eu tinha ficado 270 dias fora de casa. Tenho três filhos e fiquei em casa cuidando das crianças e da Teresa. Mas não foi nada planejado. Fiz sem pensar. Só que tem uma hora que o dinheiro acaba. E eu adoro a Globo e eles gostam de mim. Então, voltei fazendo geral, não mais Fórmula 1. Muitos repórteres vieram para Londres e foram embora. Eu fui ficando. Sei lá porquê.
Oi Londres – Você tem um conhecimento especial sobre História mundial, mas começou sua carreira como repórter de Esporte. Por que?
MU - É difícil começar uma carreira de repórter fazendo política internacional. Você é um peixinho quando começa. A primeira oportunidade de emprego que tive foi na TV Manchete. Eles estavam oferecendo duas vagas e mil e quinhentas pessoas aplicaram. Dessas 1500 ficamos eu e uma menina, só que ela não entendia nada de esporte e eu acabei cobrindo essa área. Logo depois de contratado fui para as Olimpíadas de Los Angeles em 1984.
Oi Londres – E de onde vem o seu conhecimento de História mundial?
MU – Meu pai ficou exilado de 1964 até a Anistia em 1980. Eu morava com a minha mãe no Rio de Janeiro, mas fui várias vezes visitá-lo. Foi por isso que me interessei pelo mundo.
Oi Londres – Você acredita que os correspondentes estão bem preparados para cobrir assuntos internacionais?
MU - Um repórter normal no Brasil lê as notícias da cidade dele, Esporte e um caderno de cultura com coisas de cinema. A última coisa que ele vai provavelmente ler é a Política Internacional. Por essa falta de interesse, ele fica um pouco para trás. Como muitos repórteres viram correspondentes por mérito, acabam mergulhando numa piscina que eles têm pouco conhecimento. Há uma falta de bagagem. Particularmente quando você fala de um correspondente internacional que cobre a Europa. A União Européia tem, no momento, 25 países, onde cada um tem uma história, seus ódios, amores e particularidades. É difícil ser correspondente na Europa por causa dessas particularidades.
Oi Londres – Esse seria o maior desafio de um repórter que cobre política internacional?
MU – Explicar realidades complexas em pouco tempo é muito complicado. Por exemplo, falar da morte do Yasser Arafat é tratar de israelenses e palestinos. Para contar essa história temos que voltar até quase a Bíblia. E, claro, explicar de maneira sucinta e ser justo para os dois lados. Assim como esse, vários outros temas são muito complicados de serem feitos para a televisão. Nesse processo de escolher o que dizer, o repórter corre o risco de não ser simples, mas simplório.
Oi Londres – No início da sua carreira como correspondente foi difícil resumir os fatos para compor as matérias?
MU – Não foi difícil contar uma história internacional. É mais complicado do que contar uma história de esporte. As matérias de esporte têm uma lógica semelhante, já que você está sempre contando histórias parecidas sobre dificuldade, luta, sucesso e vitória. Ou derrota. A realidade internacional é muito mais rica do que isso. Você tem que ter muito cuidado para não dar a sua opinião. E não cair num erro comum que é apresentar os lados da questão e achar que está bem. Você está sempre aprendendo a contar essas histórias. Também tem colegas que lêem o que você escreve, palpitam, corrigem sugerem e aí vai-se evoluindo.
Oi Londres – Você recebeu treinamento profissional da TV Globo ou de algum órgão ligado à Globo sobre como operar em zonas de guerra e lugares hostis?
MU – Sim, antes de ir para a guerra. Recebi um treinamento muito bom, muito interessante de uma empresa chamada Centurion. Nem tudo você vai lembrar, mas acaba indo para a guerra muito mais esperto para os perigos que de fato ocorrem.
Oi Londres – Qual é a sua maior preocupação enquanto você está cobrindo guerras?
MU – A preocupação de uma maneira normal é que não apareça nenhum risco e também contar uma notícia sem virar notícia. O que me incomoda nessa história de repórter de guerra é a maneira como as pessoas querem ver heróis nos repórteres. Não acho que nenhum repórter que está começando deve almejar ser herói. Quando você começa a falar do repórter e não da guerra, algo está errado. O repórter de guerra, entra e sai daquele local de conflito. Ele está com dólar, com colete, aquilo ali é uma opção. Quem mora no lugar não tem opção ou tem muito menos opção. Quando a gente começa a falar muito do heroísmo do repórter é um defeito da cultura de celebridade que vivemos hoje.
Até no Iraque eu não usava colete por opção. Porque quando você coloca o colete no meio do povão que ninguém tem colete é uma mensagem: ‘Você é especial’. Te afasta da notícia. Tem uma lista de coisas que tem que se ter cuidado. E uma delas é com o sentimento das pessoas que estão na guerra. O repórter está na guerra, mas não está sofrendo a guerra.
Há uma cultura de celebridade de se querer heróis. Eu não quis escrever um livro sobre Iraque por isso. Não me sentia a vontade para aproveitar o momento. Acho legal que as pessoas tenham o respeito a quem merece. Muito mais merecedor de respeito são as pessoas que estão ali sofrendo. Eles estão sentindo uma coisa que ninguém deveria sofrer.
Oi Londres – E como é cobrir esportes?
MU - O Esporte tem histórias humanas muito interessantes de superação. É um universo fascinante para a televisão por conta das imagens. Ver a emoção da vitória na TV é ver o bicho gente fazendo coisas incríveis.
Oi Londres – Antes de fazer essa entrevista fiz uma longa pesquisa sobre você na Internet e encontrei um monte de artigos, alguns elogiando outros criticando sua cobertura sobre a Guerra do Iraque. Você teve oportunidade de ler esses artigos?
MU – Eu não li - talvez por timidez -, mas sei que me chamaram desde comunista até porta-voz do governo americano. A TV Globo tentou fazer uma cobertura, com acertos e erros, e muitos aconteceram por parte das fontes, muita coisa que se disse foi errada. Se falou da coluna de tanques iraquianos, da revolta em Basra. Eu dei notícia que mataram os soldados americanos. Depois não tinham sido americanos, tinham sido motoristas quenianos. A cada 3 horas era necessário fazer uma matéria, inevitavelmente a mídia teve que engolir muito erro. Houve uma tentativa de dar uma cobertura, sem tomar partido, mas mostrando que a Guerra tem conseqüências e não é um vídeogame.
Oi Londres – No Brasil, os repórteres da Globo são famosos e conseguem tudo mais fácil. Aqui, são anônimos e a TV Globo é pouco importante. Como você reage a isso? Já se acostumou a não ser parado na rua? A levar um "não" para os pedidos de entrevista?
MU – Duas coisas: no lado profissional é muito mais difícil. A TV Globo no Brasil tem as portas abertas. Embora, por causa das novelas, futebol e dos anos que o escritório em Londres existe, a TV Globo já participou de grandes eventos em grandes lugares, com toda a modéstia e com menos dinheiro que outras emissoras. Temos uma presença antiga no mundo. Às vezes vou em lugares e ouço alguém dizer que conhece a Rede Globo. Ser brasileiro também ajuda na cobertura internacional, pois o Brasil é um país que não ameaça, que não quer coisas ruins, e logicamente a questão do futebol. Nós temos a seleção mais famosa do esporte mais conhecido do mundo.
Quanto ao lado da fama: eu sou reconhecido por brasileiros fora do Brasil. Vai num Leicester Square da vida, tem gente que olha e que pede para tirar uma foto. Mas muito menos que no Brasil. Mas eu diria que é no limite certo. Eu não perco a noção da minha importância.
Aqui fora você é anônimo e isso é bom para a sua sanidade. É uma sorte. Isso no dia-a-dia profissional, não me sobe à cabeça. Pelo fato de eu vir do Esporte tenho a sensação gostosa e positiva que estou torcendo junto com os brasileiros e pela mesma coisa.
Oi Londres – Você já teve que usar sua nacionalidade em algum conflito de guerra?
MU – Durante a Guerra no Iraque eu tinha fotos do Ronaldinho que ele deu pros meus filhos e isso me abriu portas. É a simpatia que o brasileiro gera.
Oi Londres – E qual foi a matéria que mais marcou?
MU – Tem uma matéria que eu tenho carinho. Era um Dia da Criança e meus filhos eram bem pequenos. E a matéria era sobre o que é e para que serve o esporte, e foi feita para o Globo Esporte em 1994, 1995. Cada um dos meus filhos fazia uma pergunta pra mim e ficou tão impressionante. Tinha imagens deles bricando entre eles. E anos depois tem gente que lembra dessa matéria. Eu não diria que é minha melhor materia, mas ficou muito gostosa e marcou bastante.
Oi Londres – Você pretende continuar em Londres?
MU - Talvez eu continue aqui, pois Esporte e notícias internacionais são duas áreas que eu domino e são importantes para a Globo. Como o brasileiro de uma maneira geral não tem dinheiro pra comprar jornal a TV acaba suprindo essa lacuna. Então é uma tremenda responsabilidade e previlégio contar essas notícias para os brasileiros.